terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O Escravo Negro


Nada mais equivoco do que dizer que o negro veio ao Brasil. Ele foi trazido. Essa distinção não é acadêmica, mas dolorosamente real e só a partir dele é que se pode tentar estabelecer o caráter que o escravismo tomou aqui: vir pode ocorrer a partir de uma decisão própria, como fruto de opções postas à disposição do imigrante. Ser trazido é algo pasivo - como o próprio tempo do verbo - e implica fazer algo contra e a despeito de sua vontade.

Havia um problema real, a ausencia de mão-de-obra em ecala suficinente, obidiente e de baixo custo operacional, para que o projeto da grande lavoura se estabelecesse adequadamente. Se essa mão-de-obra fosse uma mercadoria em cima da qual os mercadores pudessem ganhar, comprando barato e vendendo caro, melhor ainda. O negro foi, portanto, trazido para exercer o papel de força de trabalho compulsório numa estrutura que estava se organizando em fução da grande lavoura. Dessa forma, a racionalidade e a eficiencia da grande lavoura éo poderiam ser avaliadas na medida em que atingissem esses objetivos para os quais a mão-de-obra escrava negra era fundamental.

Quem Compra Sua Liberdade?


Embora a alforria seja no Brasil uma prática quase tão antiga quanto a da prórpia escravidão, numerosas barreira, legais ou conjuturais, sempre obstaculizaram o desenvolvimento dessa instituição. A lei prevê quatro casos em que a libertação do escravo é proibida: quando, por ocasião da venda do negro, particular ou em leilão, o proprietário estabelece taxativamente que ele jamais poderá ser alforriado.é verdade que, em troca, o ato de venda pode incluir também cláusulas que libertam o escravo a prazo fixo, ou no caso o senhor obrigá-lo à prática da prostituição. O segundo caso de proibição previsto em lei refere-se à autorga de uma carta de alforria que prejudique os credores do senhor: acontece que o escravo, desconhecendo essa incapacidade legal, pode já haver desembolsado o total, ou parte, da quantia requerida por sua alforria e nunca mais recuperá-la. Em terceiro lugar, as cartas de liberdade outorgadas por testamento são consideradas nula, se tiver havido vício legal: por exemplo, o senhor não pode dispor de mais que o seu terço disponível para libertar escravos. Pode ocorrer que ele tenha avaliado mal o escravo, alforriado em total boa fé, se reveja cativo, se a "fraude"for comprovada pelos herdeiros. Finalmente os casos mais importantes referem-se aos escravos dados em calção ou hipoteca. Um bem movél como qualque outro, objeto empenhável sem qualquer restrição, o escravo hipotecado pode possuir a quntia necessária à sua alforria e não ter nunca o direito de ser libertado. Restrições legais que evidenciam a condição primeira de mercadoria que o escravo é para o senhor, uma fonte de lucro. É certo que não lhe pode exigir qualquer qto ilícito ou imoral, mas desde logo a unica obrigação do senhor para com o escravo é alimentá-lo, vesti-lo e cuidé-lo se adoece. O senhor pode alugar, emprestar, vender, doar, alienar, legar,hipotecar e dá-lo mem usufruto. Somente em 1864 uma lei proíbe a hipoteca dos escravos pertencentes a um estabelecimento agrícola, mas eles podem continuar servindo como caução. esses atos são registrados em cartório, assim como as doações intervivos e por causa de mortis: requerem a presença de cinco testemunhas.

No entanto, o senhor somente tem interesse em alforriar um escravo se o mercado de oferta lhe permite substituir o cativo libertado. Nesse caso, ele pode livrar-se de um escravo envelhecido e ter outro, mais moço e não desgastado pelo trabalho. O preço da comprar possibilita, assim, ao senhor uma verdadeira mais-valia, um lucro suplementar sobre o capital investidono escravo. No caso muito frequente em que o pagamento da alforria precede de 6,7 e 8 anos a autorga efetiva da liberdade, o lucro é ainda maior. Ora, muitos escravos compraram sua alforria a prazo, isto é, pelo sistema de pagamento parcelado. Após 1850, devido à restição do mercado desde a abolição do tráfico, vinte anos antes, o preço alto do escravo sobe muito; também disso o senhor se pode aproveitarpara auferir grandes lucros. Realmente, está em posição de exigir um preço alto do escravo já envelhecido para que possa adquirir um trabalhador novo

A Carta de Alforria e a Liberdade


Para o escravo Brasileiro há, vários caminhos que levam à liberdade tão cobiçada: a fuga, a morte, dispositivos legais e a alforria. A praxe Jurídica brasileira, como a de todas as sociedades de regime escravista, manda que o filho da escrava nascça escravo, mesmo se o pai é homem livre. Nos decinios que precedem a abolição no brasil, foram feitos alguns timidos esforços por alforriar legalmente certas categorias de escravos: a lei que liberta os sexagenários, de 1885, e sobre tudo a lei do "ventre livre". A lei de 28 de setembro de 1871, n°2040, chamada lei do ventre livre, promulgada pela princesa Isabel, Regente do Imperio na aucencia do seu pai., D. Pedro II, concede liberdade às crianças nascidas no país, de mãe escrava. A partir dessa data, e tendo em vista que a importação de escravos africanos está proibida, não mais deveria haver crianças escravas e a escravidão ameaçada de extinção gradual, por falta de cativos. Na verdade, a lei é bem menos liberal do que parece. Com efeito, a liberdade concedida aos nascituros fazia-se acompanhar de cláusulas restritivas terríveis, pois a lei estipula que o menor permaneça sob a autoridade do senhor e de sua mãe, que devem, juntos,educa-lo até a idade de 8 anos. Quando a criança atinge esta idade, o senhor, proprietário da mãe escrava, tem duas opções: receber do Estado uma idenização de 600.000 Réis ou exercer o direito de utilizar os serviços do menor atéque complete 21 anos.

A liberdade pela alforria é um dispositivo legal. pode ser concedida solenimente ou não, direta ou indiretamente, expressamente, tacitamente ou de maneira presumida, por ato entre vivos ou como última vontade, em ato particular ou na presença de um notório, com ou sem documento escrito.Mas se não há uma ata, faz-se necessário que haja testemunhas comprovantes da alforria. Em geral está é concedida em documento escrito, assinado pelo senhor ou por um terceiro, a seu pedido, se ele é analfabeto. Para evitar contestação tornou-se habito que o documento seja registrado em cartório em presença de testemunhas. Com muita frequencia ocorre, porém, que se passem anos entre a concessão da alforria e seu registroem cartório. muitas delas são autorgadas por manumissão em testamento ou nas pias batismais. O proprietário renuncia assim voluntariamente a seu "manus" sobre o cativo, que se torna homem livre "como se fosse de nascença".

A carta de libertação, registrada, é um documento apaixonante. A partir de modelos que se vão paulatinamente transformados ao longo dos séulos, elas narram a história muito digna dos esforços e das penas de todo um povo escravo, sendo das míseras liberdades outorgadas pelos senhores mais calculistas do que generosos. Em geral as cartas de alforria fornescem indicações diversas: o nome do escravo que se liberta, sua origem, filiação, se concedida, cor, os motivos pelos quais é alforriado, a modalidade dessa libertação(gratuia, onerosa, sob condições), os nomes das testemunhas e a data do registro em cartório. Esporadicamente depara-se também com informa~ções sobre a profissão do senhor, seu endereço na cidade ou no campo, a idade e o oficio do liberto. Em conjunto, esses documentos refletem claramente a vida do grupo privilegiado dos escravos alforriados. É sobretudo preciosos os dados que contem informações dos motivos que determinaram a outogar da libertação e as condições, por vezes suspensivas ou provisoria dessa concessão. Nelas está, ao vivo, a pungente realidade de uma prática capaz de suscitar esperanças e ilusões nos homen e mulheres que palmilharam um caminho minado de armadilhas, o da liberdade.

Foi dito varias vezes que os ex-escravos, mulatos ou negros, africanos ou crioulos, jamais se tornavam cidadãos enteiramente à parte, permaesciam sempre "forros", mesmo se as cartas de alforria os emancipavam, proclamando que essa liberdade nova em folha, como um novo batismo de purificação, tornam-nos equivalentes aos outros irmãos brasileiros "nascidos de ventre livre". O que é, então, um alforriado? possui juridicamente todos os direitos? por um lado, a sociedade em conjunto o reconhece como homem livre, ou o trata como um individou à parte? Cumpre responder a essas duas perguntas para compreender os iames sociais que se estabelece num Brasil infinitamente diversificado no tempo e no espaço. Pois o escravo, ao qual a lei dá os mesmo direitos na mesma data, não é recebido da mesma maneira na sociedade nordestina e na sociedade paulista, e é preciso ter em conta vários brasis se quisermos falar das formas variadas da liberdade dos libertaveis, dos libertos e dos seus filhos.

A constituição brasileira, outorga pelo poder real em 1824, é que estipula, pela primeira vez e claramente, a situação jurídica do escravo auforriado. Em seu artigo 6°, parágrafo 1, declara que o liberto, nascido no país, é cidadão brasileiro "por nascimento". O crioulo libertado negro ou mulato, adquire,pois, imediatamente,sua cidadania brasileira, sem obrigação de submeter-se a um processo especial. Basta comprovar seu nascimento em terra brasileira, prova está já constante na carta de auforria, que deve obrigatóriamente dar a origem do escravo liberto. Mas os escravos nascido na África somente se tornam cidadãos brasileiros após todo um processo de naturalização, como qualquer estrangeiro que abdicasse de sua nacionalidade. O parágrafo 5, da constituição de 1824 não pareceu suficientemente claro e preciso, e novas leis, votadas em 1832, 1843,1850,1855 e 1860, vieram complementá-lo. Inicialmente, por tanto, o escravo africano é menos favorecido do que seu camarada crioulo. Por vezes permanesce estrangeiro por toda a vida. Não possuímos qualquer estudo sobre naturalização de escravos africanos alforriados. Mas os documentos existem, embora pouco numerosos. Por exemplo, quanto ao estado da Bahia, sabemos que, apartir da segunda metade do século XIX, se encontram de fato alguns pedidos de naturalização de escravos nascidos na África.

Rebelião Individual


Juntamente com o suicidio e o assassinato, a fuga é, na verdade, a expressão violenta da revolta interior do escravo inadaptado. O escravo em fuga não escapa somente do seu senhor ou da labuta. elide os problemas de sua vida cotidiana, foge de um meio de vida, da falta de enrraizamento no grupo de escravos e no conjunto da sociedade. Para sitar relato uma fuga de um escravo urbano na cidade do Salvador em meados do século XIX em que a pesquisadora Kátia Mattoso em uma das suas muitas pesquisas nos arquivos desta cidade relata:

" No dia 31 de janeiro fugiu o escravo mina chamado David, quando vendia pão no Bonfim, é de estatura normal, corpulento, tem três marcas a cada lado do rosto, muito sorridente, foi visto pela ultima vez entre a Calçada e o Bonfim; julga-se que tenha sido acolhido numa casa que se adverte desde já pelos dias de trabalho que ele perdeu e pelos objetos que levou. quem encontrar e o levar a seu senhor, à rua do Hospicio, n° 44, receberá 20$000. (Jornal da Bahia, 14/11/1857)"